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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Rousseau e o Contrato Social

1. INTRODUÇÃO:

Desde a distinção do estado de natureza e do estado civil criada por Thomas Hobbes, os filósofos passaram a se preocupar em estudar a existência ou não destes dois “mundos”. É formado o pensamento jusnaturalista que admite que o homem vivenciou, inicialmente, um estado em que todos possuíam sua liberdade sob todas as coisas e que, a fim de resguardar o seu mais precioso bem (a vida), resolveu sair deste e passar a instituir regras de convivência social. Surge a vida em sociedade como conhecemos hoje.
O início desta vida em sociedade, para Hobbes, é marcado pela assinatura de um contrato social. Jean-Jacques Rousseau utiliza este documento para desenvolver o seu estudo acerca do homem e da sociedade. Utilizando alguns pensamentos do autor do Leviatã e discordando em alguns pontos, o iluminista desenvolve a famosa teoria do bom selvagem e passa a ser um filósofo indispensável para o rompimento com as velhas ordens que nortearam todo o período da Idade Moderna.
Mesmo não vivenciando as famosas Revolução Francesa e Revolução Americana, sua obra torna-se de importância fundamental para a consecução dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade pregados nestes movimentos. É tido como o mais popular e democrático dentre todos os filósofos iluministas e é o último grande jusnaturalista de sua época.
Ao longo desta pesquisa bibliográfica, explanaremos aspectos da vida do estudioso, de sua obra, de sua relação com a ideia de Justiça e elaboração das leis, de sua influência e de sua relação com o trabalho de outros filósofos.

2. ROUSSEAU: SEU TEMPO E SUA OBRA

Para iniciar o estudo sobre a vida e a obra de Jean-Jaques Rousseau, faz-se necessário entendermos, primeiramente, quem foi este filósofo para que, em um segundo momento, possamos compreender o quadro histórico e social ao qual o mesmo estava envolvido, ou seja, o momento histórico vivenciado por ele.
Jean-Jaques Rousseau foi um importante filósofo, teórico político e escritor que nasceu em 28 de junho de 1712 em Genebra, na Suíça, e morreu em 2 de julho de 1778 em Ermenoville, na França. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo e suas ideias influenciaram, em 1789, a Revolução Francesa.
Quando jovem, Rousseau ingressou seus estudos em uma rígida escola religiosa, tendo, nesta época, desenvolvido grande interesse pela leitura e música. Pouco mais tarde, quando já adulto, o filósofo passou a ter contato com a elite intelectual, sendo convidado por Diderot para escrever alguns verbetes da Enciclopédia e, posteriormente, no ano de 1762, Rousseau começou a ser perseguido na França, pois suas obras foram consideradas uma afronta aos costumes morais e religiosos.
Durante sua vida, escreveu estudos políticos, romances, ensaios sobre educação, religião e literatura. Sua principal obra é “Do Contrato Social” onde defende, de uma forma geral, a ideia de que o ser humano nasce bom, porém a sociedade o conduz à degeneração. Além disso, ainda afirma que a sociedade funciona como um pacto social, onde indivíduos organizados concedem alguns direitos ao Estado em troca de proteção e organização.
A obra de Rousseau inspirou reformas políticas e educacionais e tornou-se, mais tarde, a base do chamado Romantismo. Em Filosofia da Educação, enalteceu a “educação natural” conforme um acordo livre entre o mestre e o aluno, levando, assim, o pensamento de Montaigne a uma reformulação que se tornou a diretriz das correntes pedagógicas nos séculos seguintes. Foi um dos filósofos da doutrina que ele mesmo chamou de “materialismo dos sensatos” ou “teísmo”, ou ainda “religião civil”, e lançou sua filosofia não somente através de escritos filosóficos formais, mas também em romances, cartas e na sua autobiografia.
Partindo para a compreensão do momento histórico vivenciado pelo filósofo, temos que, em meados do século XVIII, o mundo se encontrava envolvido por várias transformações e movimentos como o Iluminismo e outras questões, de menor relevância para o nosso estudo, como o fim da Guerra de Sucessão Espanhola e a decadência do pensamento barroco.
Dentre estes fatos citados, merece destaque o Iluminismo, pois, quando falamos em Rousseau, não podemos deixar de direcionar nossa atenção ao seu pensamento iluminista e à sua grande influência neste movimento.
Para um melhor entendimento a respeito da relação de Jean-Jaques Rousseau com o Iluminismo, faz-se necessária uma breve explanação acerca deste.
O Iluminismo foi um movimento nascido na Inglaterra, no século XVII, que defendia o domínio da razão sobre uma visão teocêntrica que, até então, prevalecia na Europa desde a Idade Média, entendendo que o homem deveria ser o centro do universo capaz de buscar respostas para questões que, até antes, só eram justificadas pela fé. Além disso, consistia em um conjunto de novas ideias filosóficas e econômicas que defendiam a liberdade de pensamento e a igualdade de todos os homens perante as leis.
Este movimento cultural, político e filosófico, também denominado de “Século das Luzes”, que aconteceu em toda a Europa, sobretudo na França, teve seu apogeu no século XVIII, em que viveu Rousseau, e influenciou movimentos como a Revolução Francesa (que tinha como lema: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”), a Independência dos Estados Unidos e a Inconfidência Mineira.
Fazendo, portanto, uma relação entre o Iluminismo e Jean-Jaques Rousseau, temos que este foi o mais radical dentre todos os filósofos participantes deste movimento, pois, ao contrário de Voltaire e Montesquieu, não foi um porta-voz da burguesia, mas das camadas mais populares. Suas ideias contrariavam, por exemplo, um dos princípios centrais da sociedade burguesa: a propriedade privada. Isso porque, segundo o filósofo, essa era a raiz da infelicidade humana, já que trazia consigo a desigualdade e a opressão do mais forte sobre o mais fraco.
Assim, nós podemos perceber, claramente, que Rousseau, em seus pensamentos iluministas, defendia a igualdade entre os homens exercendo grande influência na Revolução Francesa e na filosofia dos séculos posteriores, além do que afirmava que o poder político emanava do povo.
Partindo para a análise de um segundo aspecto histórico, temos que o Arcadismo decorre do fim do Barroco. A partir dessa questão, podemos perceber a relação que existe com o pensamento de Rousseau porque o Arcadismo, caracterizado, dentre outros pontos, pelo fugere urbem (fuga da cidade), defendia a ideia de uma vida simples e natural distante dos centros urbanos como um ideal de vida e, tal ideia, é, por sua vez, reforçada pelo pensamento de Rousseau de que o homem é, naturalmente, bom e a sociedade o corrompe.

3. A VONTADE GERAL E O CONTRATO SOCIAL

Estudar as dimensões pelas quais se desenvolve o pensamento rousseauniano é, inevitavelmente, ceder espaço para a discussão conjunta de problemas naturais, sociais, políticos e jurídicos. A sua obra “Do Contrato Social” debate sobre a problemática de justiça e enfatiza a questão primordial de contrato social versus Vontade geral.
Ressalta-se que o trabalho de Rousseau é hipotético e não descritivo. A pesquisa e a investigação rousseaunianas não consistem numa busca de acontecimentos ou fatos, que se somam. Na verdade, sua proposta é filosófica, e por isso se desdobra no sentido de desenvolver os argumentos que conferem solidez a suas hipóteses. E uma de suas hipóteses é justamente a formação do Contrato Social.
Começando com a desigualdade como um fato irreversível, Rousseau tenta responder a questão do que compele um homem a obedecer a outro homem ou por que direito um homem exerce autoridade sobre outro. Ele concluiu que somente um contrato tácito e livremente aceito por todos permite cada um "ligar-se a todos enquanto retendo sua vontade livre". A liberdade está inerente na lei livremente aceita. "Seguir o impulso de alguém é escravidão, mas obedecer uma lei auto-imposta é liberdade". Rousseau considera a liberdade um direito e um dever ao mesmo tempo. "...todos nascem homens e livres"; a liberdade lhes pertence e renunciar a ela é renunciar à própria qualidade de homem.
O contrato social para Rousseau é "Uma livre associação de seres humanos inteligentes, que deliberadamente resolvem formar um certo tipo de sociedade, à qual passam a prestar obediência mediante o respeito à vontade geral. O "Contrato social", ao considerar que todos os homens nascem livres e iguais, encara o Estado como objeto de um contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, mas ao contrário entram em acordo para a proteção desses direitos, que o Estado é criado para preservar.
O contrato aparece como forma de proteção e garantia de liberdade. A união de forças destina-se à realização de uma utilidade geral, que não se confunde com a utilidade deste ou daquele membro. A noção de contrato social está governada pela ideia de bem comum.
O Estado é a unidade e como tal expressa a "vontade geral", porém esta vontade é posta em para contraste e se distingue da "vontade de todos", a qual é meramente o agregado de vontades, o desejo acidentalmente mútuo da maioria. Para o filósofo, a vontade geral visa à realização do interesse comum e público, além de assegurar a liberdade, a igualdade e justiça dentro do Estado, não importa a vontade da maioria, mas sim as ideias, contribuições, discordâncias e todas as formas de participação do sistema. De forma a nunca se corromper ou se desvirtuar.
Por isso a vontade geral dota o Estado de força para que ele atue em favor das teses fundamentais mesmo quando isto significa ir contra a vontade da maioria em alguma questão particular. Rousseau reforça o contrato social através de sanções rigorosas que acreditava serem necessárias para a manutenção da estabilidade política do Estado por ele preconizado.

4. DIREITOS NATURAIS E DIREITOS CIVIS

Antes de iniciarmos qualquer explicitação sobre os Direitos Naturais e Civis para Rousseau, é necessário fazermos uma intrínseca comparação de suas idéias, com as idéias de um outro importante filósofo anterior a sua época: Thomas Hobbes. Segundo Marilena Chauí, Thomas Hobbes – que viveu no século XVII – concebia a idéia que existiam dois estados, o Estado de Natureza e o Estado Civil. No Estado de Natuteza, os indivíduos viviam isolados e em permanentes lutas, ficando conhecido pelos adágios de “o homem é o lobo do homem”. O estado de Natureza é permeado pelo medo, principalmente o da morte violenta, e, sendo assim, para se protegerem os homens se armavam e tentavam se proteger. O que de certa forma, para o filósofo, seria inútil, pois sempre apareceria alguém mais forte para vencer o outro. A vida, portanto, não possui garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar.
Segundo ainda a referida autora, Rousseau por sua vez já se localiza temporalmente no século XVIII e para ele os indivíduos vivem isolados pelas florestas, mas sobrevivem segundo o que a Natureza lhe dá. Ele desconhece as lutas e concebe uma felicidade original, conhecido pelo título de “bom selvagem”. Essa fase termina quando alguém cerca um terreno e se apropria dele; essa divisão entre o que é “meu” e o que é “teu” dá origem ao estado de sociedade, que corresponde ao estado de natureza proposto por Hobbes.
Para Rousseau, os direitos civis surgem após a concretização de um contrato social, onde se dá a cessão das liberdades individuais ao Estado. Para ele, os direitos civis precisavam representar os chamados “direitos naturais” para que se tornasse uma ordem justa, legítima, fundada na igualdade e no respeito, até porque, para o filósofo, o que é referente a natureza do homem, jamais desaparece.
Rousseau acreditava que a natureza era boa, no sentido de que suas leis são mais perfeitas que as leis humanas, assim sendo, se o homem foi da natureza, produzido de determinada maneira, seria desta maneira que ele deveria ser mantido. A partir daí temos a concepção de que ninguém tem direito sobre ninguém, com exceção do Estado que possui direito sobre seus membros.
O contrato social por sua vez, encontra seus limites nos direitos naturais, pois este são antecessores àqueles e o direitos civis deveriam ser portanto os direitos naturais declarados formalmente pelo Estado. A partir da análise das obras de Rousseau, podemos observar:
Nenhum homem possui, por natureza, nenhum direito de submeter outro homem. O homem só deve ceder ao poder legítimo, ou seja, àquele legitimamente constituído pela vontade de adesão e de deliberação, e não àquele constituído com base na força física. A força física não possui ação moral nenhuma; trata-se de uma força que, se irresistível, leva à submissão e não à aderência. (BITTAR, ALMEIDA, 2010)
A partir daí, podemos observar que a liberdade natural é substituída pela liberdade civil, onde predomina a vontade geral, e os direitos e deveres interagem-se. A liberdade do estado de natureza pode ser identificada como um estado de liberdade desvairada, onde prevalece a força bruta. Para Rousseau, a moral deveria substituir a força bruta. “Assim, onde leis correspondessem à moralidade da sociedade, menor seria o grau de imposição, de artificialidade e arbitrariedade.” (BITTAR, 302, 2010).
Por fim, ainda retratando diferenças entre Hobbes e Rousseau, podemos identificar um ponto importante concernente à soberania. Para Hobbes, soberano pode ser o rei, um grupo de aristocratas ou uma assembléia democrática. Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral, coletiva, livre e corpo político de cidadãos.

5. LEIS E JUSTIÇA

Todas as ideias de Rousseau são destacadas da ordem natural. Este é o fator que faz com que ele seja reconhecido como o último grande jusnaturalista de sua época. Diferentemente de Thomas Hobbes, Rousseau não abomina todas as características do estado de natureza. Ao contrário, ele admite que certas características deste devem ser preservadas na ordem social. Para o iluminista, o estado civil é um avanço do estado de natureza e não um extermínio deste.
Suas ideias foram importantes para a construção dos ideais de liberdade na Revolução Francesa e, consequentemente, na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, embora ele não tivesse vivenciado este período. Em toda sua obra, Rousseau busca uma justiça verdadeira. Para ele, a concepção do justo pregado durante toda a Idade Média era um desvirtuamento do seu conceito essencial. O conceito de justiça precisava ser moldado em sua essência e não desfigurado pelo soberano.
Rousseau não escreveu o Contrato Social como um projeto de Estado a ser colocado integralmente em prática. Porém, ele pensava que os princípios de funcionamento da república modelar descrita em sua obra deveriam servir de referência ideal às reformas possíveis de se realizar nos governos existentes. (LOPES, 2003)
É importante ressaltar que a ordem social, no tempo de Rousseau, era composta por uma minoria que se prevalecia sob uma maioria. Esta minoria, representada pela Igreja e pelos nobres, era detentora da grande maioria de riquezas e cargos. Enquanto a maioria, representada pelos civis, praticamente não possuíam recursos e nem tinham expressão política significativa. O iluminista provém desta maioria e é por este motivo que ele tanto luta pelos direitos desta classe.

5.1 Fundamentação das leis
O critério de fundamentação das leis, para Rousseau, é a vontade geral. Esta se constitui nos reais interesses da nação como um todo. A vontade geral não se confunde com a vontade do monarca ou de determinada classe privilegiada. Esta corresponde à vontade da maioria da população e aos reais interesses do Estado.
A partir daí surge um pacto: o contrato social. Este pacto visa resguardar as vontades gerais e a organização da vida em sociedade. Nele estão inseridos todos os aspectos da vida social e do qual todos terão de ser signatários. Portanto, além da vontade geral, a noção de justiça deve ser o fundamento de toda a lei. Esta não poderá ser elaborada visando privilegiar camada A ou B da sociedade, mas sim atendendo aos requisitos do verdadeiro ideal de justiça citado anteriormente.
A partir daí, podemos notar certas divergências com os filósofos medievais, especialmente Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Eles pregavam que as leis também deveriam ser elaboradas seguindo um ideal de justiça, mas este ideal corresponde à justiça divina. Santo Agostinho faz, inclusive, a distinção entre “cidade de Deus” e “cidade dos homens”. Para Rousseau, o ideal de justiça não está relacionado a aspectos religiosos, até porque a religião, para ele, deve estar desvinculada da administração estatal. As leis devem ser elaboradas seguindo o ideal de justiça que corresponde à vontade geral e não a preceitos religiosos.
O iluminista também rompe com a Metafísica e alguns ideais pregados por Platão. O filósofo grego afirmava que o verdadeiro e justo julgamento ocorreria num plano transcendental, após a morte. Rousseau afirma que os homens devem responder por seus atos terrestres em sua vida e não após a morte. Ele não nega a crença em religiões. O que ele prega é que esta crença não deve influir na busca de Justiça real pelo Estado.
Os súditos, portanto, só devem ao soberano contas de suas opiniões enquanto elas interessam à comunidade. Ora, importa ao Estado que cada cidadão tenha uma religião que o faça amar seus deveres; os dogmas dessa religião, porém, não interessam nem ao Estado nem a seus membros, a não ser enquanto se ligam à moral e aos deveres que aquele que a professa é obrigado a obecer a outrem. Quanto ao mais, cada um pode ter as opiniões que lhe aprouver, sem que o soberano possa tomar conhecimento delas, pois, como não chega sua competência ao outro mundo, nada tem a ver com o destino dos súditos na vida futura, desde que sejam bons cidadãos nesta vida. (ROUSSEAU, 1973, pág. 149)
Portanto, Rousseau apresenta uma tolerância religiosa desde que não influa na administração estatal e não desvirtue os cidadãos. A religião deve cuidar da alma dos fiéis e o Estado da concepção de uma vida justa para estes. Por isso que dizemos que Rousseau rompe com as velhas ordens que dominaram a Idade Média e a Idade Moderna: Igreja, Nobreza e Monarquia Absolutista.

5.2 Formação das Leis do Estado
Como já afirmado, as leis do Estado devem estar baseadas na vontade geral. Não só o seu conteúdo deve estar adequado à vontade geral. O Poder para a elaboração delas também deve derivar desta. Para Rousseau, é inaceitável que um soberano decida, unilateralmente, o destino de toda a nação baseado apenas em seus interesses e com o fundamento de que é a vontade divina que lhe concedeu este dever. Como já afirmado, o filósofo separa, definitivamente, Estado de Religião.
Porém, para assegurar a elaboração das leis pela vontade geral, é necessário que se tenha um meio eficaz de se fazer isto. Este meio é o contrato social. Ele consiste na única forma de se proteger e garantir os direitos inerentes ao homem. Ao se tornar signatária do contrato social, a sociedade (inclusive o monarca) se submete a cumpri-lo. Consequentemente, suas cláusulas vão ser incorporadas no contexto social e assegurar-se-á os direitos mencionados anteriormente.
Entretanto, para que os súditos se transformassem em bons cidadãos, havia algo de extrema importância a ser feito: era preciso educá-los. De fato, a crítica de Rousseau à civilização de sua época indicou uma infinidade de costumes corrompidos que deviam ter as raízes extirpadas para que uma nova civilização pudesse crescer em seu lugar. (LOPES, 2003)
Portanto, para Rousseau, o poder emana do povo. Só o povo pode colocar e tirar alguém do poder. Só o povo pode escolher seus legisladores. Só o povo tem o fundamento de escolher quem deve traçar as normas para a vida em sociedade. A partir daí, surgem os papéis do Legislador, do Executivo e do Povo.
O legislador tem a função de elaborar as normas de conduta, baseadas na vontade geral. Consequentemente, terão de assegurar todos os direitos e garantias do cidadão. O Executivo tem a função de administrar o Estado e aplicar as leis elaboradas pelo legislador. O monarca deixa de ser o Estado e passa a ser o organizador do Estado. E o povo é quem legitima as atividades desempenhadas pelos dois entes citados anteriormente. Esta teoria se estende até os dias atuais e se estenderá ainda por muitos anos.
Partindo da ideia de que todo o poder emana do povo, Rousseau estabelece que a forma de escolha destes representantes deve ser a partir do sufrágio universal. Não cabia mais a escolha dos representantes a partir da vontade divina e da posição social. Se o povo legitima todas as funções e atividades do Estado, o povo deve escolher quem cumprirá estas funções. É importante ressaltar que a ideia do sufrágio universal para Rousseau é diferente da nossa. Ele iniciou a concepção da teoria e esta foi evoluindo à medida que a sociedade também evoluiu.
A prova de que o que foi falado acima é verdade está presente na frase do filósofo que afirma: “A democracia jamais existiu e jamais existirá”. Para Rousseau, sempre haverá determinada classe que estará acima de outra e que comandará outra. É impossível unanimidade no que diz respeito a governo. Segundo ele, por mais que a nobreza ou a plebe esteja governando, a democracia nunca existirá em sua plenitude.

5.3 Objetivo das Leis
Para Rousseau, as leis não deveriam versar, especificamente, sobre todas as condutas do homem e da sociedade. Destarte, as leis deveriam ter uma conduta genérica e abstrata. Deveriam procurar englobar todos os aspectos que norteiam a sociedade e deveriam versar sobre todas as pessoas de maneira geral e não particular.
Sobrepõe-se, assim, a ideia de igualdade. Todos devem possuir os mesmos direitos e devem ser tratados de forma equitativa. Se todos abdicaram de seus direitos sob todas as coisas, todos devem possuir os mesmos direitos e deveres. Sem contar que, jamais, os interesses particulares deverão estar acima dos interesses públicos. Este é o mal do Estado. No momento em que os interesses particulares se sobressaírem em relação aos públicos, o Estado está condenado á extinção.
Cumpre-nos esclarecer a distinção entre desvirtuamento do poder e desgoverno. Desvirtuamento do poder consiste no uso deste para fins particulares e não públicos. Era o que acontecia na França no período de Rousseau. O monarca utiliza o poder para efetivar os seus interesses particulares e não os interesses da nação. Já o desgoverno consiste na confusão do que é interesse público e do que é interesse privado. Isto afeta também o Estado, pois, na maioria das vezes, prevalece o interesse privado.
Portanto, a lei deve apresentar uma orientação racional e deve ser a continuidade da própria lei natural. Ele não abomina as leis naturais, ao contrário, afirma que o estado civil deve ampliar as leis naturais, pois só estas garantem a liberdade e os direitos intrínsecos ao homem.
Toda degeneração do pacto se deve ao fato de que o nó social se esvai gradativamente e as forças sociais, por consequência, passam a relaxar, a enfraquecer até a degenerescência terminal. Tem início a pulverização do poder, a desmoralização das instituições, o desrespeito generalizado pela ordem que não se mantém e as forças privadas, as disputas, os interesses intestinos e as diferenças se reaquecem. (BITTAR, ALMEIDA, 2007)
Esta lei, resultante do pacto, deve estabelecer que a Convenção (elaboradora tanto da legislação como do pacto social) tem que se manter íntegra. Pois a sua integridade demonstra interesse de permanência das normas e regras sociais ao longo do tempo. Há uma preocupação, portanto, com as mudanças na ordem do Estado. Para Rousseau, estas não devem ocorrer, pois levam-no à desordem, à anarquia e ao seu desmembramento. Daí a preocupação com o impedimento de transformações bruscas.

6. O CONTRATO SOCIAL

Como já afirmado, a existência da vida em sociedade, para Rousseau, só é possível graças ao Contrato Social. Este consiste num pacto resultado da vontade geral que visa garantir os direitos fundamentais da vida em sociedade. Tem sua primeira menção na história filosófica com Thomas Hobbes e é utilizado, inicialmente, para defender o absolutismo real. Porém, Rousseau utiliza da mesma teoria de Hobbes para desestruturar este absolutismo e discordar de alguns pontos do autor.
Tanto Hobbes como Rousseau admitem a existência de um estado de natureza e admitem, também, que há a necessidade de sair deste estado de natureza. É aí que surge o papel do contrato social. Sua existência se dá quando o homem decidiu abdicar de sua liberdade suprema e sob todas as coisas, a fim de conviver em sociedade. É importante ressaltar que a abdicação da liberdade suprema não torna, para Rousseau, o homem como ser submisso a outro. O que há é o rompimento com o direito de todos fazerem o que quiser. Todos são livres e iguais, respeitando as cláusulas assinadas no contrato social.
Portanto, o Contrato Social é indispensável para a garantia da paz e da vida social. E, para que a sociedade perpetue, ele deve ser inteiramente cumprido. Porém, nos dias atuais, ainda verificamos que, mesmo após a vida em sociedade, algumas pessoas ainda demonstram não serem signatárias deste pacto. Isto ocorre, por exemplo, pela sede de guerra que alguns Estados possuem e pela falta de liberdade de expressão em outros. Isto prova que devemos avançar ainda mais neste tema.
A nossa Constituição Federal de 1988 institui determinados termos que são considerados essenciais pelo Contrato Social. É uma forma de adequação do nosso Documento Fundamental aos ensinamentos de Rousseau. Os exemplos mais claros são os artigos 1º e 3º que estão mencionados abaixo:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo Único – Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
(...)
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1998)
Podemos notar que termos como união indissolúvel, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, livre iniciativa, pluralismo político, poder emanado do povo, representantes, sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos sem preconceitos são expressões cunhadas pelo Contrato Social desde a época de Rousseau.
Enfim, os ensinamentos deste grande jusnaturalista exerceu influência para toda a História Contemporânea e continuará exercendo por muitos anos. É a prova viva de adequação da vida em sociedade aos valores de igualdade, liberdade e fraternidade pregados pela Revolução Francesa.

7. AS FORMAS DE GOVERNO SEGUNDO ROUSSEAU

Em sua obra Do Contrato Social, Rousseau faz uma divisão das formas de governo do Estado, baseado na divisão feita por Aristóteles em sua obra-prima Política, apresentando alguns avanços. Durante toda a história da humanidade, as formas de organização e de administração foram motivos de diversos posicionamentos e críticas. Rousseau não poderia ficar de fora também. Ele divide as formas de governo em três conforme vemos no trecho abaixo:
Se nos diversos Estados o número dos magistrados supremos deve ser em razão oposta ao número de cidadãos, segue-se em geral que o governo democrático convém aos Estados pequenos, a aristocracia aos medíocres, e aos grandes a monarquia (...) (ROUSSEAU, )
A divisão feita por Rousseau, conforme foi visto, é baseada no número da população do Estado. Os Estados que possuem grande população deverão ter a monarquia como forma de governo. Isto ocorre porque, com um maior número de súditos, o poder não pode estar espalhado nas mãos de várias pessoas, pois, neste caso, haveria um caso. Coonsequentemente, uma só pessoa deverá governar respeitando os limites que lhe forem atribuídos. Os Estados que possuem um número mediano de habitantes deve utilizar a aristocracia, tendo em vista que as grandes famílias devem governar. Porém, Rousseau estabelece uma crítica afirmando que os Estados Aristocráticos possuem uma tendência maior de desenvolver corrupção. Já nos Estados de pequena população, a forma de governo mais adequada é a democracia, tendo em vista que nela há uma maior facilidade de se reunir toda a população a fim de decidir os rumos do país.
Enfim, com isso chegamos à conclusão de que a forma de governo deve estar adequada à realidade do Estado. Não se pode atribuir determinada forma de governo a um Estado que não possui estrutura de abrigá-la. Assim, em vez do Estado prosperar, ele irá regredir.

8. O SIGNIFICADO DO BOM SELVAGEM PARA A HISTÓRIA MUNDIAL

Diferentemente de Hobbes que afirma que o homem, em estado de natureza, é lobo do homem e a sociedade é quem o disciplina, Rousseau afirma que o homem é bom por natureza e a sociedade é quem o corrompe. Esta é a grande divergência doutrinária entre eles. De um lado temos um estado de natureza sórdido e precário e, de outro, bom e seguro. A partir desta visão de Rousseau, é que ele elabora a teoria do bom selvagem.
Para o filósofo iluminista, o estado civil deve ser uma evolução do estado de natureza. Porém, isto não acontece. O estado civil corrompe o homem ingênuo que sai do estado de natureza e é este fato que estimula as desigualdades e problemas da vida em sociedade.
A solução para resolver este problema do estado civil estaria na busca por leis justas e que evitassem a corrupção. Por isso que Rousseau afirma que a elaboração das leis devem ser baseadas na vontade geral, pois, assim, evitar-se-ia a corrupção provocada, na maioria das vezes, pelo monarca.
Para tanto, é necessária uma profunda transformação nas estruturas do Estado, tanto política como social. E é isto que vai ocorrer com a Revolução Francesa. Daí a associação entre Rousseau e a Revolução, embora não tenham ocorrido no mesmo período.
Portanto, o significado do bom selvagem para a história está no processo de transformação e mudança a fim de atingir uma sociedade mais justa e igualitária. É isto que, até hoje, os documentos fundamentais de cada Estado procuram fazer. Sabemos que ainda falta muito para atingir estes fins em suas plenitudes, mas temos a certeza de que muito já foi feito e de que muito mais irá ser feito.

9. CONCLUSÃO

Após toda a discussão acerca do legado de Rousseau, chegamos à conclusão de que a Teoria Rousseauniana apresenta uma grande crítica aos desvios de poder. Para ele, o poder deve estar sempre nas mãos do povo e é esta classe que deve transferi-lo para a mão de determinadas pessoas ou grupos, respeitando sempre a vontade geral.
Ao falar de vontade geral, não se tem como fugir da ideia de pacto social, pois é este pacto que apresenta soluções para os conflitos e desvios de poder. Consequentemente, é o contrato social que norteia a vida em sociedade e estipula os limites a serem atingidos.
Rousseau busca uma ordem para o Estado, a fim de renunciar ao caos que a sociedade vivencia diariamente e garantir a supremacia da liberdade e dos fins sociais. Para isto, critica o absolutismo monárquico e afirma que ninguém pode ser cerceado da sua participação política, além do fato de que esta não está ligada, sob hipótese alguma, a entidades religiosas.
O filósofo também afirma que todos devem se submeter ao Contrato Social se quiserem viver, harmonicamente, em sociedade. Possui, assim, uma filosofia indispensável para a elaboração da doutrina contratualista, embora seja jusnaturalista.
Portanto, compreendemos que Rousseau é um nome indispensável ao falarmos sobre liberdade e vida em sociedade. Sua obra pode ser sentida no nosso meio e está muito longe de se acabar.

10. REFERÊNCIAS

ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2007. 128 p.

LOPES, Marcos Antônio. Grandes Nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003. 544 p.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 5ª Edição. São Paulo: Atlas, 2007. 607 p.

CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

Gildércia Silva Guedes de Araújo, Joagny Augusto Costa Dantas, Laysla Alencar de França Costa, Mateus de Sousa Oliveira, Renan Farias Pereira.
Graduandos em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba

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